Poucos se lembram ou sequer se dão conta, mas graças ao status de Capital Federal, Brasília é possuidora de um excepcional acervo de arquitetura estrangeira, quase todo ele constituído por complexos diplomáticos. Localizado nos Setores de Embaixadas Sul e Norte, neles se encontram principalmente legações nacionais, das quais a primeira a ser concluída foi a da Iugoslávia, inaugurada já em 1965. Atual Embaixada da Sérvia e Montenegro, foi projetada por Alexander Brezovski e é representativa da estética de formas ortogonais do modernismo dos primeiros anos da cidade.
Mas lá se encontram também diversas instituições internacionais, como a Organização Pan-Americana da Saúde (1971), projetada pelo eminente arquiteto uruguaio Román Fresnedo Siri, também autor de sua sede em Washington (1965). Ou, mais recente, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (1994), projeto de José Galbinski constituído por dois blocos em L de esmerado detalhamento.
Aqui já vale destacar um traço curioso: a participação de arquitetos brasileiros, seja na condição de projetista principal, seja como responsável pelo detalhamento e execução da obra. Realização de grande sucesso é a discreta Embaixada dos Países Baixos (1964-74), projeto de Henrique Mindlin – um dos premiados no concurso para a escolha do plano piloto da nova Capital em 1957 – que se destaca pela concisão de suas linhas modernas.
Igualmente a Embaixada da República da África do Sul (1970-74), projeto de Ítalo Campofiorito; a Embaixada do Líbano (1973), de Miguel Badra Jr; e a Embaixada do Senegal (1974-77), de Wilson Reis Netto.
Contando com a colaboração de brasileiros pode-se citar a Embaixada da Bélgica (1970-74), de Nikolas Fikoff e Paulo Antunes Ribeiro; a Embaixada da Polônia (1971-73), de Andrzej Dzierzawki, Zbigniew Pawelski e Halina Swiergocka-Kaim, com Elvin Mackay Dubugras; e a Embaixada do Egito (1975-78), de Taher Said-Fadl, Gladson da Rocha, Paulo Magalhães e Durmar Martins.
Na perspectiva urbana, estes dois setores findaram por se tornar uma grande exposição de obras de profissionais de renome, verdadeiro ponto de encontro do pensamento arquitetônico internacional. A lista de edifícios e seus autores é extensa, o que explica a grande variedade de soluções adotadas – ainda que predomine a expressão brutalista –, em que é sempre possível distinguir traços típicos do país de origem. Mas há também diferentes graus de ênfase. Em boa parte das embaixadas prevalece a intenção de refletir a modernidade tanto de seu próprio país como a de Brasília; em algumas delas, no entanto, o objetivo é dar destaque à arquitetura tradicional e, finalmente, há aquelas em que ambas as alternativas foram harmonizadas ou convivem – bem ou mal – lado a lado. Ampliando o interesse cultural, nessas edificações estão abrigadas significativas coleções de obras de arte, assim incorporadas ao patrimônio da cidade.
Porém não é só arquitetura que nelas se lê; há também circunstâncias políticas aqui registradas. Veja-se o caso da antiga Embaixada da Tchecoslováquia: suas instalações foram construídas em duas etapas: inicialmente a chancelaria e a residência para o corpo diplomático (1963-65), projetadas pelos arquitetos Karel Filsak, Karel Bubeníček, Jan Šrámek e Jiří Louda, e por fim aresidência do embaixador, com pequeno auditório (1973-76), cujo autor não foi identificado. Com o desmonte dos governos comunistas do leste europeu em fins da década de 1980 e consequente divisão do país em 1993, o conjunto foi redistribuído, ficando a Embaixada da República Tcheca instalada, desde então, na edificação destinada à residência do corpo diplomático. Para a Embaixada da Eslováquia ficaram a chancelaria e a residência do embaixador.
Examinando este conjunto, começando com os exemplares de mais evidente feição moderna, não surpreendentemente as realizações mais significativas são aquelas de países europeus e americanos.
Entre os primeiros, uma obra excepcional é a Embaixada da Alemanha (1964-71), projeto de um dos grandes mestres da arquitetura moderna, Hans Scharoun. Este é o seu único trabalho fora da Alemanha e foi concebido precisamente à época de duas de suas realizações mais elogiadas – a sede da Orquestra Filarmônica (1956-1963) e um dos prédios da Biblioteca Nacional (1964-1978), ambos em Berlim. A embaixada é constituída pelo departamento de assuntos estrangeiros, a residência oficial e várias casas para o corpo diplomático, e demonstra à perfeição a arquitetura exuberante e pouco ortodoxa de seu autor, ressaltada pelos jardins de Roberto Burle Marx. Como reconhecimento de suas qualidades, integra o patrimônio histórico e artístico alemão.
A Embaixada da França (1972-74) tem uma história curiosa – detalhadamente contada no livro Embaixada da França (2009), organizado por Colette di Matteo e Jean-Martin Tidor –, em que mais uma vez Le Corbusier perdeu a oportunidade de ter uma obra sua em solo brasileiro. O estudo preliminar que apresentou em 1963, famoso pela inclusão de um edifício com oito andares, findou por ter seu desenvolvimento adiado por toda ordem de razões. Com o falecimento do mestre franco-suíço em 1965, seu associado, o chileno Guillermo Jullian de la Fuente, foi convidado para dar continuidade à tarefa. Devido a sérias mudanças no programa, este elaborou um novo projeto, de grande beleza, constituído por diversos blocos, todos articulados entre si e com seus espaços interiores requintadamente decorados por Michel Boyer e integrados aos jardins. Seja como for, a presença de Le Corbusier foi garantida pela incisiva adoção de uma estética brutalista e pela presença de uma de suas tapeçarias, Bogotá, ornando a residência do embaixador. Em 2007, o conjunto passou por uma renovação feita sob a supervisão de seus autores, ocasião em que visitaram a obra.
Por compreensíveis razões históricas, a Embaixada de Portugal (1972-1978) é aquela mais próxima do Eixo Monumental, concebida por Raul Chorão Ramalho. Impecável exemplar da arquitetura brutalista da década de setenta, contida em um único volume regular elevado sobre pilares e protegido por abas verticais de concreto aparente nas fachadas do piso superior, o edifício se integra por todos os lados a generosos jardins.
Até mesmo o arrojado Estúdio Nervi deixou a sua marca em Brasília, graças à Embaixada da Itália (1973-1976). Como seria de esperar, a solução adotada pelo próprio Pier Luigi Nervi é fortemente determinada pela concepção estrutural. O edifício é organizado em um único bloco de grandes proporções, elevado sobre uma série de robustos pilares, cada um deles abrindo-se em quatro ramos, e recobrindo parcialmente um extenso espelho d’água e amplos jardins internos, projetados pelo paisagista Ney Ururahy Dutra. Em um gesto de amizade, a embaixada abriga quatro grandes pinturas de Candido Portinari.
Mesmo que de modestas dimensões, a discreta Embaixada da Suíça (1977), projetada pela equipe de Hans e Annemarie Hubacher, é típica da arquitetura brutalista dos anos setenta, acrescida de excepcional qualidade de construção e acabamentos. Se Nervi, por que não George Candilis? Em seu projeto para a Embaixada da Grécia (1980) – desenvolvido por José Galbinski –, a chancelaria, o consulado e a residência do embaixador foram abrigados em um único volume de linhas ortogonais, interligados por amplas passarelas, pátios internos e jardins suspensos. O revestimento dominante é o mármore branco.
Um dos poucos exemplos de pós-modernismo em Brasília, a Embaixada da Grã-Bretanha (1978-83), projetada por Alfred Coutts, é constituída por inúmeras edificações, articuladas por jardins também do paisagista Ney Ururahy Dutra. Dentre elas, destaca-se o auditório – uma pirâmide pousada em um espelho d’água, que se reflete no pano de vidro da fachada da chancelaria.
Quanto às representações americanas, nelas predomina indiscutivelmente a expressão brutalista. Devido à sua estrutura, formado por pilastras e lâminas inclinadas de concreto armado, a Embaixada do Peru (1973-1974), de Jacques Crousse e Jorge Paez, possui uma intrigante volumetria.
A Embaixada do Chile (19741977), dos destacados arquitetos Juan Echenique Guzmán e Jose Cruz Covarrubias – autores do projeto da embaixada chilena na Argentina (1966-69) – está organizada em dois blocos independentes, cujas áreas internas se desenvolvem em torno de amplos jardins de inverno. Uma curiosidade é a cobertura revestida por chapas de cobre, uma das maiores riquezas do país. A arquitetura elegante da Embaixada do Uruguai (1978-1980), uma excelente representante das obras de seu autor, Mario Paysse Reyes, é outro exemplo do uso extensivo de concreto aparente. Projetada por Cesar Barney, arquiteto colombiano então há muito radicado em Brasília, a sóbria Embaixada da Colômbia (1979-81) é constituída pelos dois blocos da chancelaria e, separada por espelho d’água, pela residência do embaixador, também predominando o emprego do concreto aparente.
Indiscutivelmente, a Embaixada do México (1973-1976), de Teodoro González de León, Abraham Zabludovisky e José Francisco Serrano, é uma das mais imponentes do setor. O complexo é composto por chancelaria, residência oficial e oito casas geminadas, e está posicionado de tal modo que os elementos da paisagem escondem parcialmente todas as edificações. Isso se aplica em especial à chancelaria, concebida de modo a ter suas fachadas laterais ocultas por altos taludes gramados, nos quais se apóiam grandes vigas de concreto armado protendido, dando forma a um monumental pórtico de acesso. No seu saguão pode ser vista uma excelente coleção de objetos representativos da arte mexicana. De nota, esta é a única embaixada que, deixando de lado questões de segurança, está aberta para o espaço público à sua frente.
Recentemente inaugurada, a Embaixada da Argentina (1994-2011), projetada pelo Estudio MSGSSS, dos arquitetos Flora Manteolo, Javier Sánchez Gómez, Josefa Santos, Justo Solsona e Carlos Sallaberry, é representativa de tendências internacionais mais adequadamente rotuladas de neobrutalismo.
Exceção neste conjunto, diferencia-sea Embaixada do Canadá (1970-78), projeto de Thompson, Berwick, Pratt and Partners, pelo caráter moderno, porém não brutalista. Nela foi enfatizada uma composição dinâmica de volumes ortogonais, conectados por caminhos abrigados sob pérgulas de madeira e vidro. A evidente preocupação com o controle das condições ambientais resultou no emprego de treliças de madeira que integram jardins internos e espelhos d’água aos ambientes de suas diversas dependências. Novamente, destaca-se o paisagismo de Ney Ururahy Dutra.
Ainda que menos vinculadas ao Movimento Moderno, mas não menos de sabor brutalista, algumas representações têm como principal característica referências à cultura tradicional do seu país. Essa intenção está claramente plasmada na Embaixada da Turquia (1977). O projeto, de İlhami e Cetin Ural, foi escolhido em um concurso público, cujo edital expressamente recomendava o uso de traços típicos da arquitetura vernácula.
A Embaixada da República da Coreia (1973), projetada por Chang Sik Han, é outro exemplar de arquitetura nativista, opção indicada especialmente em seu imponente portão de entrada.
Do mesmo modo, a Embaixada de Marrocos (1981-92), de Mustafa Zeghari, traz em suas formas, materiais e cores, uma evidente referência à cultura do noroeste da África. Constituído por chancelaria, residência do embaixador e três residências para funcionários, o complexo exibe uma riqueza de detalhamento, uma qualidade de materiais e um requinte de mão-de-obra incomuns na cidade.
Um último grupo particularmente interessante é aquele das representações que buscam em sua expressão arquitetônica combinar uma estética moderna com a tradição nativa de seu país – muitas vezes fazendo conviver edifícios concebidos em linguagens muito distintas. Este é o caso da Embaixada do Japão. De 1970 a 1972 foram construídos os seus escritórios, abrigados em um pavilhão de forte caráter vernáculo, projetado por Yoshimi Ohashi. Em 1976, o conjunto foi acrescido da chancelaria e da residência do embaixador, ambos em linhas modernas, projetado pelo prolífico arquiteto Fumihiko Maki, detentor do Prêmio Pritzker de 1993.
Projetada por David Resnik, arquiteto brasileiro que se radicou na Palestina em 1947, a Embaixada de Israel (1974-75) segue a mesma tendência de conjugar arquitetura moderna e vernácula, na linha do regionalismo crítico. A Embaixada da Espanha (1972-1976) é um dos edifícios mais distintivos do setor, e ápice das pesquisas desenvolvidas por seu autor, o aclamado arquiteto Rafael Leoz. Composta pelo agrupamento de módulos de planta hexagonal semelhante, mas de diferentes alturas, apesar de sua evidente expressão modernista, a sua organização espacial, em particular os pátios internos com fontes revestidas por azulejos decorados em estilo mourisco, traz à memória a arquitetura tradicional espanhola.
Uma presença excepcional é aquela dos países nórdicos, cujas representações estão agrupadas em uma mesma quadra. Elas são a Embaixada da Suécia (1974), de Helge Zimdal; a Embaixada da Dinamarca (1971-1976), de Jørgen Bo; a Embaixada da Finlândia (1974), de Jonas Cedercreutz – onde se pode apreciar um mural de Alvar Aalto –; e a Embaixada da Noruega (1974), de John Engh e Jon Seip. Todas elas seguem um mesmo padrão: estão organizadas em várias edificações, sempre empregando uma única solução construtiva e uma mesma linguagem arquitetônica, diferindo apenas em suas dimensões. Outra característica comum é o cuidado paisagismo.
Finalmente, deve-se salientar que os setores de embaixadas ainda não foram integralmente ocupados. Muitos países instalaram-se em diferentes bairros da cidade, enquanto outros ainda têm lotes vagos ou estão aguardando a doação de terras. Além daqueles que estão com suas obras em andamento. Este é o caso da sede do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, PNUD, projetado por Gomes Machado Arquitetos Associados e Paulo Bruna Arquitetos Associados em 2004. Em 2011 a proposta foi ampliada, de modo a contemplar a realização do Parque das Nações Unidas, complexo cuja primeira edificação foi concluída em 2012. O que permite fechar esta promenade internacional em uma nota otimista, com uma obra de alta qualidade arquitetônica e excepcional desempenho ambiental.
Referências
Colette di Matteo; Jean-Martin Tidor (org.), Embaixada da França. São Paulo: IOESP, 2009.
Sylvia Ficher; Geraldo Sá Nogueira Batista, GuiArquitetura Brasília. São Paulo: Empresa das Artes e Editora Abril, 2000.
Manuel Mendes. O cerrado de casaca. Brasília: Thesaurus, 1995.
Paulo Roberto Alves dos Santos. Arquitetura estrangeira e outras arquiteturas: embaixadas, delegações e organismos internacionais em Brasília. Brasília: FAU/UnB, 2005. (dissertação de mestrado)